Área com 8 mil hectares enfrenta expansão agrícola, e é fundamental para a conservação de muitas espécies ameaçadas de extinção; no local, pesquisadores fazem registro de espécie de lagarto inédito para MS.
Considerado um dos maiores remanescentes nativos do Cerrado do Mato Grosso do Sul, o Parque Natural Municipal do Pombo, localizado no município de Três Lagoas, vem se tornando referência de Unidade de Conservação (UC) no estado.
Com cerca de 8 mil hectares que abriga uma vasta biodiversidade da maior savana das Américas, a área de proteção integral, tem como principal objetivo, a conservação da fauna e flora do Cerrado – bioma que vem sofrendo uma intensa expansão agrícola.
Desde 2022, o Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), por meio do Projeto Tatu-canastra, em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Agronegócio da Prefeitura de Três Lagoas, vem realizando ações que visa compreender e estudar essa que é considerada pelos pesquisadores, uma das últimas grandes populações de tatus-canastra no Cerrado sul-mato-grossense.
Arnaud Desbiez, fundador e presidente do ICAS, explica que o maior e mais raro de todos os tatus do mundo, além de estar na lista de animais ameaçados de extinção, possui uma importância ecológica fundamental para o ecossistema, pois suas tocas – quando não utilizadas pela espécie – servem de abrigo para mais de 100 animais vertebrados.
“Estamos completando um ano de atividades neste grande fragmento de vegetação nativa, onde já instalamos 85 armadilhas fotográficas em toda área do parque. Estas câmeras possuem uma tecnologia que possibilita realizar o monitoramento da vida selvagem 24 horas por dia, registrando uma fauna riquíssima, que vai desde antas até pequenos pássaros em seu ambiente natural”, disse o pesquisador.
Com mais de 700.000 horas de monitoramento ininterrupto de fauna somente no Parque Natural Municipal do Pombo, pesquisadores do ICAS já registraram e identificaram 69 espécies de animais no local, sendo 27 mamíferos, 37 aves e 5 répteis.
Gabriel Massocato, biólogo e coordenador das ações de campo do projeto, ressalta que a grande quantidade de registros de espécies ameaçadas de extinção no parque é uma das situações que mais tem surpreendido os pesquisadores que passam horas e horas analisando cada imagem registrada pelas armadilhas fotográficas.
“A grande abundância de animais que estão na lista de espécies ameaçadas de extinção, como, por exemplo, a anta, queixada, tamanduá-bandeira e o próprio tatu-canastra, fazem do Parque do Pombo, um oásis natural para grandes mamíferos que já estão desaparecendo em vários locais no Cerrado. Este lugar é incrível e muito agradecemos à Prefeitura de Três Lagoas e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Agronegócio (SEMEA) por todo apoio à nossa pesquisa, sem contar que todo o investimento realizado no Parque do Pombo reflete o compromisso e preocupação de uma gestão com o ecossistema local”, destacou Gabriel.
Além dos animais já citados, as armadilhas fotográficas também já registraram a presença da onça-parda, lobo-guará, jaguatirica, cervo-do-pantanal e do mutum-de-penacho, espécies que também fazem parte das listas de animais ameaçados do Brasil e do mundo.
Algumas imagens capturadas pelas câmeras também surpreendem os pesquisadores, como é o caso do raro cachorro-vinagre, considerado extinto em outras localidades no bioma. Uma espécie de canídeo selvagem que ainda é pouco conhecida pela ciência e que possui uma morfologia e comportamento peculiar, se comparado com seus parentes, como o lobo-guará e o lobinho, pois é o único deles que vive em grupos familiares e que necessita de grandes áreas naturais para sobreviver.
Outra grande surpresa neste primeiro ano de estudo do projeto no parque, foi o primeiro registro do teiú-de-quatro-linhas (Tupinambis quadrilineatus), espécie de lagarto endêmica do Cerrado, mas que jamais havia sido registrada em MS.
De acordo com o presidente do ICAS, havia o conhecimento deste lagarto apenas nos estados do Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Tocantins, Pará e em algumas regiões do Nordeste, até o momento. Mas que a partir desse novo registro, será possível preencher lacunas acerca da distribuição geográfica desta espécie e de outro lagarto, o teiú-mascarado (Salvator duseni), também descoberto pelas câmeras instaladas na UC e um dos únicos registros para o estado do MS.
“A confirmação da existência destes lagartos no parque demonstra a importância deste grande fragmento de Cerrado não só para o tatu-canastra, mas para muitas outras espécies raras e endêmicas, ressaltando o seu enorme potencial para novas descobertas sobre a nossa biodiversidade”, explicou Arnaud.
Com o projeto de conservação e pesquisa de longa duração desenvolvido pelo ICAS, a população de tatu-canastra da região do Parque do Pombo vai ser a primeira em todo Cerrado a ser estudada em detalhes. Com isso, os pesquisadores esperam descobrir quantos indivíduos vivem no parque e no seu arredor, a densidade populacional da espécie, a área de vida dos indivíduos, o uso do habitat e dieta, por exemplo.
Uma outra importante característica dessa iniciativa é a participação da população que vive no entorno do parque e das escolas rurais dos municípios de Três Lagoas e Água Clara, com o objetivo de envolver crianças, jovens e adultos, nas atividades de conservação do tatu-canastra e do Cerrado.
Até o momento, 25 propriedades rurais e 30 pessoas foram entrevistadas pelos pesquisadores para compreender qual a relação da comunidade local com o parque, com a fauna, e suas principais atividades econômicas. E a partir destas informações, o projeto pretende identificar os principais habitats e ameaças ao tatu-canastra e iniciar ações de coexistência e práticas de manejo da terra que possibilite a sobrevivência da espécie em larga escala e a longo prazo na região.
Dessa forma, será possível trabalhar em conjunto e de maneira sustentável, uma melhor conservação da biodiversidade do Cerrado e de seus serviços ecossistêmicos prestados à sociedade.
O ENGENHEIRO DO ECOSSISTEMA
O fato de o tatu-canastra fazer grandes tocas – que podem chegar a 5 metros de profundidade – onde permanece durante o dia, e buracos de alimentação, onde revolve enormes quantidades de solo, criando micro-habitat para outros animais, faz com que ele seja considerado um “Engenheiro de ecossistema”. Este comportamento auxilia outras espécies que estão em busca de proteção contra predadores, alimentos ou que estão em busca de um ambiente com maior conforto térmico.
As armadilhas fotográficas do Projeto Tatu-Canastra já flagraram mais de 50 espécies de animais utilizando os buracos do tatu-canastra ou interagindo com a terra revolvida de suas tocas.
Os hóspedes mais assíduos do “Hotel Canastra” são o udu-de-coroa-azul, ave colorida e típica da região, o tamanduá-mirim e o tatupeba. Por isso o tatu-canastra é um animal tão importante no Cerrado, deixando o ambiente onde vive mais biodiverso e beneficiando toda a fauna local.
PARQUE NATURAL MUNICIPAL DO POMBO
Parque Municipal do Pombo é um complexo ambiental de preservação permanente com 8.032 hectares de área, localizado a 130 km de Três Lagoas. Cercado pelo Rio Pombo e o Córrego Tapera, atualmente é o habitat de 127 espécies de aves e mais de 50 espécies, entre anfíbios, répteis e mamíferos; além de mais de 400 espécies de plantas nativas do Cerrado.
A Prefeitura de Três Lagoas construiu um complexo receptivo construído no local, tendo casa de caseiro, suítes para equipe técnica dos órgãos ambientais e pesquisadores (acomodações para 18 pessoas), galpão para equipamentos, o centro de acolhimento ao visitante com anfiteatro e outras salas de apoio a pesquisas e estudos.
O local está aberto para grupos escolares, universitários, pesquisadores e demais interessados. As visitas podem ser agendadas pelo telefone da SEMEA: 67 3929-1248.