A fêmea de tatu-canastra monitorada desde 2021 pelo Projeto Tatu-canastra se tornou uma embaixadora científica da espécie na maior planície alagável do planeta
Stacy vive em uma das áreas mais fascinantes e ecologicamente ricas do Pantanal, onde se estendem mosaicos de habitats com campos alagados, florestas densas, lagoas e rios temporários, além dos murundus — habitats preferidos dos tatus-canastra.
O biólogo e coordenador de campo do Projeto tatu-canastra no Pantanal, Gabriel Massocato, explica que Stacy foi encontrada pela primeira vez em novembro de 2021, no último dia de uma expedição de monitoramento.
“Na noite de sua captura, uma tempestade intensa forçou a equipe a se abrigar até que, às 23h47, Stacy saiu da toca e foi capturada. Na manhã seguinte, passou por um procedimento para a instalação de um transmissor GPS e coleta de amostras biológicas,” relatou o pesquisador.
Desde então, a tatu-canastra tem sido monitorada de perto, proporcionando aos pesquisadores um entendimento inédito sobre o comportamento dos tatus-canastra. Foi descoberto que esses animais utilizam áreas florestadas para sobreviver, estabelecem territórios de aproximadamente 2.500 hectares e dormem, em média, 17 horas por dia. Essas revelações foram possíveis graças ao uso de um novo sistema de sensores de movimento no transmissor.
De acordo com Gabriel, em agosto de 2024, Stacy trouxe uma surpresa rara e emocionante: deu à luz um filhote. Este evento foi apenas o quarto registro de nascimento de um filhote de tatu-canastra em 13 anos de pesquisa. No entanto, a alegria deu lugar à tensão quando, algumas noites depois, um macho grande chamado Wolfgang se aproximou da área do filhote.
Arnaud Desbiez, presidente do ICAS, explica que as fêmeas de tatu-canastra mudam de toca com o filhote em intervalos de aproximadamente 15 dias, sendo um comportamento natural. Mas, diante da presença de um macho, pode haver uma resposta protetiva da mãe, como observado em um caso que resultou na mudança do filhote para uma nova toca.
“É possível que Stacy tenha interpretado a aproximação de Wolfgang como uma ameaça e, por isso, o deslocamento foi muito maior que o habitual, alcançando uma distância de 1.500 metros em relação à toca anterior,” disse Arnaud.
Infelizmente, após oito noites sem registros do filhote nas armadilhas fotográficas, a equipe recebeu a triste notícia: o filhote havia sido predado, possivelmente enquanto atravessava um campo aberto, onde lobinhos, jaguatiricas ou pumas podem atacar.
Stacy seguiu sem seu filhote, e atualmente vive em uma nova toca, localizada a mais de 2 km do local onde habitava com seu filhote.
“Este triste desfecho faz parte da vida natural dos tatus-canastra e reflete o equilíbrio populacional da espécie no Pantanal. Hoje, Stacy continua sendo um símbolo de resiliência e uma embaixadora científica dos tatus-canastra,” relatou.
Sobre a próxima janela de fertilidade de Stacy, Desbiez comentou que, em geral, as fêmeas de tatu-canastra têm um filhote a cada três ou quatro anos. “No entanto, em casos de infanticídio, observamos que a fêmea pode parir novamente em um intervalo de apenas oito meses. Assim, é possível que o próximo filhote de Stacy chegue mais cedo do que o esperado, mas os detalhes do ciclo reprodutivo dessa espécie ainda são um campo de pesquisa em aberto para nós,” ressaltou.
Hoje, estima-se que, na região da Nicolândia e Baía das Pedras, há cerca de 7 a 8 indivíduos de tatu-canastra a cada 100 km². Esta estimativa é resultado das pesquisas realizadas com armadilhas fotográficas e câmeras que monitoram a presença desses animais.
É na área onde Stacy vive que os pesquisadores têm o privilégio de observar, nos primeiros dias de cada expedição, o trabalho de monitoramento desse animal extraordinário. A tatu-canastra tem revelado comportamentos inéditos que permitem ao Projeto Tatu-canastra aprofundar a compreensão sobre a espécie, contribuindo significativamente para a conservação de um dos animais mais raros, importantes e desconhecidos do Pantanal.