Nova iniciativa promovida por ICAS e IPÊ quer evitar a extinção do tatu-canastra no Cerrado do Mato Grosso do Sul

O maior dos tatus possui a maior garra do reino animal e precisa de uma área equivalente a 2.500 campos de futebol para sobreviver

O Programa de Conservação do Tatu-canastra, iniciativa do Instituto de Conservação de Animais Silvestre (ICAS) e do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológica, que já realiza projetos que estudam o tatu-canastra no Pantanal e na Mata Atlântica, está promovendo novas pesquisas para compreender a viabilidade da maior espécie de tatu do mundo no Cerrado de Mato Grosso do Sul (MS), com o objetivo de evitar a extinção deste animal tão importante para o bioma.

Em 2015 os pesquisadores iniciaram um estudo para entender a distribuição potencial da espécie no Cerrado sul-mato-grossense, com visitas em fragmentos de área nativa em quase 500 microbacias e o resultado dessa pesquisa apontou que existem apenas 69 fragmentos com uma área nativa de pelo menos 25 km².

“Nossos estudos em outros biomas apontam que este é o tamanho necessário para que o tatu-canastra possa viver. O Parque Natural Municipal do Pombo, um complexo ambiental de preservação permanente, localizado em Três Lagoas (MS), tem mais de 80 km² e é o maior remanescente de Cerrado nativo com a presença confirmada do tatu-canastra. Por isso foi escolhido para darmos início a esse novo projeto”, explicou Nina Attias, bióloga coordenadora científica do Programa de Conservação do Tatu Canastra, sobre a escolha do local de pesquisa.

A pesquisadora conta que entre os meses de novembro e dezembro de 2021, foi realizado o reconhecimento da área do parque, que é cercado pelo Rio Pombo e Córrego Tapera. Por se tratar de um local que possui uma administração pública e que está legalmente protegido, essa região abriga grande biodiversidade e é o habitat de 127 espécies de aves e outras 50 espécies de vertebrados, entre anfíbios, répteis e mamíferos; além de mais de 400 espécies de plantas nativas do Cerrado. Sendo assim, esse refúgio para a vida silvestre possui um grande potencial para abrigar o início dos estudos de viabilidade populacional do tatu-canastra no Cerrado.

“Seguindo uma metodologia que já é utilizada pelo projeto no Pantanal e na Mata Atlântica, nós instalamos 60 armadilhas fotográficas em toda a área do parque para que possamos compreender qual é a densidade populacional da espécie e quais são os padrões comportamentais destes indivíduos na região, assim, podemos fazer um comparativo com os outros biomas e avaliar a movimentação da espécie em uma área protegida e como ela interage com os fragmentos do entorno”, ressaltou Nina.

Como grande parte das propriedades rurais do Cerrado no MS estão sendo convertidas em plantios de soja e eucalipto e os estudos prévios identificaram alguns pontos isolados com fragmentos de vegetação nativa nessas áreas, o projeto também quer incluir a comunidade local nessa iniciativa de conservação do tatu-canastra.

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De acordo com o biólogo, Gabriel Massocato, essa é uma espécie que utiliza uma grande área e através das armadilhas fotográficas que foram instaladas no parque, será possível identificar a quantidade de indivíduos que vivem na região e compreender o grau de conectividade entre os fragmentos. São dados que irão possibilitar compreender a reprodução e sobrevivência da espécie no Cerrado.

“Entender a movimentação do animal nestes fragmentos de vegetação no entorno da área de preservação em que estamos realizando nossos estudos e envolver os proprietários de terra, moradores da região, empresas e órgãos públicos, é fundamental para que possamos atingir o objetivo de elaborar áreas de manejo integrado e evitar a extinção da espécie no Cerrado de MS, ou seja, pensar em  uma forma de convivência que possibilite as atividades econômicas e a sobrevivência do tatu-canastra na região”, disse o pesquisador.

Nina Attias e Gabriel Massocato, pesquisadores do projeto durante reconhecimento de área no Parque Natural Municipal do Pombo, em Três Lagoas.

O desparecimento de habitat

O Cerrado já perdeu 46% de sua vegetação nativa em todo o Brasil. Só cerca de 20% de sua área original permanece completamente intocada e esse número segue diminuindo. Conforme os dados do Relatório Anual do Desmatamento (RAD), iniciativa da rede colaborativa MapBiomas, em 2021, foram desmatados 500.537 hectares do bioma em todo o território nacional.

Gabriel explica que o tatu-canastra já desapareceu em várias regiões brasileiras em que ele ocorria e por isso a necessidade de proteger as poucas populações ou indivíduos que ainda restam e criar mecanismos para que a sobrevivência da espécie seja viável e possa coexistir com as atividades humanas.

“Com a diminuição do habitat desta espécie que é tão importante para o nosso ecossistema – estudos mostram que suas tocas servem de abrigo para mais de 70 espécies – e que já possui uma densidade populacional naturalmente baixa, os riscos de extinção aumentam consideravelmente, não só por inviabilizar a reprodução, mas também por deixar o animal mais vulnerável à caça, predação e colisões veiculares”, ressaltou o pesquisador.

Este é um trabalho pioneiro no MS e que envolve ações de manejo, educação ambiental e de união entre os mais diferentes atores para conservar e integrar, de alguma forma, os pequenos fragmentos que ainda restam no bioma e consequentemente melhorar as condições de vida do tatu-canastra, tornando-se uma referência para outras regiões que enfrentam o mesmo problema de viabilidade da espécie.

O início das pesquisas

Desde 2010 o projeto tatu-canastra já e realizado na região pantaneira da Nhecolândia, mas foi em 2014 que os pesquisadores iniciaram um estudo para diagnosticar a presença ou ausência da espécie em outra regiões do MS, começando pela Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) da Cisalpina, que abrange uma extensão de aproximadamente 3,8 mil hectares de áreas remanescentes da Mata Atlântica na região Leste do estado, e que está localizada em Brasilândia (MS), distante cerca de 360 km da capital, Campo Grande (MS).

Esta é uma área que sofreu grande impacto devido as ações de desmatamento e inundações provocadas pela barragem da hidrelétrica Sérgio Motta, mas que hoje é considerada uma importante remanescente de floresta protegida e que se tornou um grande refúgio para diversas espécies ao longo do rio Paraná.

Na época foram realizados estudos em outros 37 municípios do estado, sendo 15 na Mata Atlântica e 22 no Cerrado, que além dessa pesquisa de viabilidade e conservação da espécie na região de Três Lagoas, os estudo preliminares resultou em um outro projeto, o “Canastras e Colmeias”, cujo objetivo é promover a coexistência entre apicultores – que buscam por essas áreas nativas para instalar suas colmeias – e o tatu-canastra, que vive nessas poucas áreas remanescentes de Cerrado.

Saiba mais em www.canastrasecolmeias.org.br

O tatu-canastra

Presente apenas na América do Sul, o tatu-canastra, o maior de todos os tatus, pode chegar a 1,5 metro de comprimento e pesar entre 28 e 60 quilos. Com um olfato apurado e de hábito noturno, sua atividade pode variar de acordo com a época do ano e acontece quase sempre entre 18h e 4h, este animal dorme aproximadamente 17 horas por dia e raramente é visto pela manhã.

Considerado um engenheiro do ecossistema, ele possui uma garra dianteira que pode chegar a 15 cm – a maior do reino animal – e que é utilizada para cavar buracos com cerca de 60 cm de profundidade para alimentação, buracos de descanso com aproximadamente 170 cm, que são utilizados por apenas uma noite, e tocas grandes e profundas de aproximadamente 4 m ou mais, com média de 1,5 metro de profundidade. Além disso, eles cavam novas tocas em média a cada 3 noites, e raramente as reutilizam, o que faz com que esses locais possam servir de abrigo para mais de 70 espécies de vertebrados, entre aves, répteis e mamíferos.

Sua alimentação é baseada em cupins, formigas e alguns frutos, mas com a degradação e fragmentação do Cerrado em MS, onde restam menos de 20% da vegetação nativa original, a procura por larvas de abelhas nos apiários se tornou um recurso importante para a sua sobrevivência no bioma, reforçando as consequências da degradação e a necessidade de implementação de medidas de coexistência.

Inofensivo ao homem e maduro sexualmente apenas aos sete anos de idade, a fêmea pode gerar apenas um filhote a cada três anos. Ou seja, a morte de um único indivíduo do tatu-canastra significa uma perda enorme para o ecossistema.

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